Esqueça Marte! Vamos para Vênus!

Nas últimas semanas, muito se ouviu falar da notícia anunciada pela Royal Astronomical Society sobre a presença de fosfina na atmosfera de Vênus e a possibilidade de vida neste planeta, mas espere aí antes de tirar as suas conclusões!

Planeta Venus. Crédito: NASA

A fosfina é uma molécula composta por um átomo de fósforo e três átomos de hidrogênio (PH3). É um hidreto de fósforo e é também conhecido pelo seu nome IUPAC (que é a sigla em inglês para União Internacional de Química Pura e Aplicada) como fosfano. É um gás altamente tóxico. Se inalado, pode ser fatal, tendo como efeitos irritação no trato respiratório e pulmões, dificuldade de respirar, fadiga, dor no peito, dor de cabeça, dor abdominal, náusea, vômitos, diarreia, tonturas, sonolência, convulsões e até colapso. Mas como um gás tão perigoso pode estar associado à vida?

Molécula de fosfina. Em laranja, a representação de um átomo de fósforo. Em branco, três átomos de hidrogênio.

A fosfina foi associada à vida em Vênus porque os cientistas não conseguiram encontrar um mecanismo químico ou geológico que conseguisse explicar a presença deste hidreto naquele planeta. E, como sabemos que na Terra a fosfina é produzida naturalmente somente por microrganismos anaeróbicos (que utilizam compostos diferentes do oxigênio para obtenção de energia), esta pareceu ser uma opção possível para a presença desta molécula naquele planeta.

Mas… espera aí! Não existe fosfina em outros ambientes extraterrestres? A resposta é sim! Existe! A fosfina já foi encontrada nos planetas Júpiter e Saturno, além de outros corpos fora do Sistema Solar, como envoltórios de estrelas jovens. Entretanto, as condições nestes ambientes são favoráveis ao aparecimento desta molécula por vias químicas, pois há grande facilidade de obtenção de hidrogênio para a formação da fosfina.

Já no caso de Vênus, a atmosfera não é favorável à formação deste composto. Além disso, a fosfina formada teria tempo de meia vida muito curto. Desta forma, se fosfina fosse formada naquelas condições, há muito tempo, já deveria ter sido destruída. Se ainda medimos fosfina na atmosfera de Vênus, deve haver um mecanismo que está continuamente repondo fosfina no ambiente. Os cientistas não conseguiram encontrar nenhum mecanismo químico conhecido que explique tal acontecimento. A saída que encontraram foi especular a possibilidade de um microrganismo. A detecção da fosfina foi confirmada a partir de observações feitas através do telescópio ALMA (Atacama Large Millimeter/Submillimeter Array telescope), no Chile.

Conjunto de antenas do telescópio ALMA, Chile.

Dentre as inúmeras utilidades da fosfina aqui na Terra, podemos citar seu uso na agricultura para controle de pestes, assim como na indústria eletrônica para dopagem de silício com o intuito de se obter semicondutores com propriedades especiais. Em quaisquer dos casos, a fosfina é sempre produzida artificialmente. Naturalmente, ela só ocorre a partir do metabolismo de microrganismos anaeróbicos, por isso sua existência está associada à vida. Até hoje, este é o único processo conhecido capaz de gerar fosfina naturalmente.

Uma pergunta que você pode fazer é: “Como Vênus poderia abrigar vida se ele alcança temperaturas altíssimas?”. Vênus é o planeta mais quente do nosso sistema planetário. Embora ele esteja mais longe do Sol do que Mercúrio, sua densa atmosfera, repleta de gases que causam o efeito estufa, faz com que a radiação solar que incide neste planeta fique retida, aquecendo sua superfície, e tendo dificuldades para sair. A temperatura média em Vênus está em torno de 470 oC e não muda muito entre as regiões onde é dia e noite, nem entre os polos e equador, uma vez que sua densa atmosfera impede que o calor escape facilmente. A atmosfera de Vênus é composta principalmente por dióxido de carbono (~96%), mas contém, também, em torno de 3,5% de nitrogênio molecular e traços de monóxido de carbono, vapor de água, ácido sulfúrico, entre outros gases. A pressão na superfície de Vênus também é extremamente alta; se comparada com a pressão atmosférica na Terra, é cerca de 90 vezes maior. Entretanto, a atmosfera de Vênus possui regiões de temperatura e pressão amenas. Foi nesta região (~50 km de altitude), onde a temperatura está em torno de 50 a 60 oC e a pressão é quase igual a terrestre (1 atm), que os cientistas suspeitam que haja microrganismos, uma vez que é nesta região que a fosfina foi encontrada. A figura abaixo mostra um esquema da atmosfera de Vênus.

Modelo esquemático simplificado da atmosfera de Vênus.

Então, essa nova descoberta é incrível, não?! Sim! Incrível mesmo! Mas não significa realmente que encontramos vida fora da Terra. Pode até ser que seja verdade, mas se não for, com certeza aprenderemos algo sobre Vênus. Se não forem microrganismos os responsáveis pela fosfina neste planeta, algum mecanismo químico ou geológico a está produzindo de forma a manter seu nível sustentável por longos períodos na atmosfera. Com tanta gente curiosa querendo desvendar esse mistério, acho que em breve iremos saber o que realmente está acontecendo neste nosso planeta vizinho!

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